sábado, 4 de agosto de 2012

MAR DE PALHAÇOS: ARTE DE RUA COMO UM ATO POLÍTICO DE ECONOMIA SOLIDÁRIA


* Por Igor Caxambó 
(em comemoração aos 5 anos de Cia. Pé na Terra http://www.penaterradospalhacos.blogspot.com.br/)

MAR DE PALHAÇOS: UM POUCO DE HISTÓRIA

O MAR de Palhaços surgiu como um movimento tanto de formação e fomento a palhaços de rua, quanto de fortalecimento e recriação de pontos permanentes de encontro entre artistas e público. As práticas sempre se pautaram em princípios da educação libertadora (Paulo Freire). Antes de ler e escrever, o método Paulo Freire explicita a importância de aprender a ler o mundo. E nosso intuito é fincar nossa consciência através da libertação do olhar de um palhaço.(vide artigo anterior em http://www.mardepalhacos.blogspot.com.br/2012/07/olhar-de-palhaco.html)



Nossa preocupação com a sustentabilidade do artista DE rua está relacionada com a perpetuação desta arte NA rua. Que tipo de transformação isso pode causar na sociedade? Como essa ação constante e cotidiana pode gerar modificações no uso do território? Venho relembrar a história de formação da MAR de Palhaços que pode ser constantemente revisada nos arquivos deste nosso blog. O Movimento em si surgiu pela união inicial de ideias e práticas compactuadas por duas companhias: A Cia Pé na Terra e a Cia Obcena de Artes. O primeiro ponto do MAR de Palhaços, onde tudo começou, foi o Parque de Pituaçu e os princípios do movimento já eram praticados desde 2009, quando nós da Cia Pé na Terra iniciamos nosso trabalho de ocupação do parque e criação de uma cultura local de apresentações de rua. Nas palavras de nosso irmão Sabiá

No domingo dia 09 de maio de 2010, Caxambó, que ocupa já há bastante tempo o parque de Pituaçu, convidou diversos palhaços para participarem da sua roda, às 10h.
O intuito foi o de aproximar os palhaços primeiramente, alguns mais iniciantes com outros com um pouco mais de prática e experiência [...]



(fragmento de relato feito em 23 de maio de 2010. Link http://www.mardepalhacos.blogspot.com.br/p/de-2010.html)


Isso não quer dizer que nós somos os Pré-Deuses que criaram a história dos dinossauros não (auhauhauah). Trago essa história para pensarmos onde nossas ações de generosidade podem nos levar e denuncio (como palhaço que sou) que mais do que exercer a generosidade do palhaço, uma prática espiritual que tentamos levar para o cotidiano de nossas relações sociais, pensávamos em nós mesmos, nessa nossa liberdade de viver da nossa arte, de fortalecer esse movimento impulsionado pelo chapéu, que cresce na medida em que outros façam isso também.

Ora, a Cia Pé na Terra comemora 5 anos de existência agora em agosto, sendo desses, são 4 anos de ação no Parque de Pituaçu e 2 anos de MAR de Palhaços, quando passamos a sistematizar esse princípios dentro de um movimento maior , em parceria com outra cia,  a Obcena de Artes,  e abrindo rodas em um sentido duplo 1)roda de público, aquela que já fazíamos e 2)abrindo nossas rodas para que outros palhaços aproximassem-se para a partir de uma prática em conjunto criando um sistema de aprendizagem e profissionalização. Nas palavras de Sabiá de novo, em maio de 2010:



Em Pituaçu já existe uma cultura de roda de palhaço aos domingo, esta foi construida ao longo de alguns anos de insistência pela Cia Pé na Terra (Caxambó e Didi Siriguela), mais especificamente falando em se tratando desta roda no Parque de Pituaçu. 

hj, em salvador temos rodas em Pituaçu ( Pé na Terra, domingo de manhã), praça do Campo do Campo Grande e Praça Ana Lúcia Magalhaes/Pituba (Nariz de Cogumelo, domingo a tarde e sábado a tarde), em Estela Mares(Malabres Màgicos, não sei o dia certo).

Salvador tem muito mais bairros, ainda ocupamos pouco, ainda levamos pouco a nossa cultura, educamos pouco a nossa sociedade com a arte de rua. em qualquer periferia, as pessoas gastam seu dinheiro em festas e bebidas, o que caracteriza que não se trata do dinheiro estar só na mão dos que moram nos bairros nobres, porém, nestes locais, por motivo de acesso a cultura, as pessoas estão mais habituadas  a pagarem pela graça recebida através da arte.

Queremos abrir rodas onde quer que seja, do bairro nobre à periferia, cada qual em sua realidade e cultura.



RUA DAS ARTES: DESESCOLARIZAÇÃO VERSUS SOCIEDADE DO ESPETÁCULO






O Rua das Artes Encontro de Circo tem sido esse lugar de desconstrução da sociedade do espetáculo, onde nós que estamos realizando arte de rua na cidade nos encontramos para fortalecer nossas práticas, aproximar nossos corações através de uma função coletiva de arte, com trocas, capacitações e aproximação de novos parceiros interessados em seguir cumprindo esse nosso imporatnte papel. Esse é o nosso reduto, onde compartilhamos nossas dores, prazeres, sabores e dissabores.

Segundo Guy Debord, no livro A sociedade do espetáculo vivemos numa realidade, resultado e projeto do modo de produção existente, cujas relações sociais são mediatizadas por imagens que geram uma visão cristalizada do mundo, o foco do olhar iludido e da falsa consciência, além de uma ampliação da distância interior na medida em que suprime a distância geográfica. Nas palavras dele a unificação que a Sociedade do Espetáculo realiza não é outra coisa senão “a linguagem oficial da separação generalizada” ou uma “separação espetacular”.
Assim fica fácil enxergarmos por que é muito comum vivermos num modelo social de “afirmação da aparência e a afirmação de toda a vida humana, socialmente falando, como simples aparência” ou seja, o modelo de dominação da economia sobre a vida social prioriza o ter e o parecer em detrimento do ser,  que gera uma comunicação de mão única produzindo “verdades universais”, inquestionáveis que deve ser aceitas passivamente:

A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o resultado da sua própria atividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. A exterioridade do espetáculo em relação ao homem que age aparece nisto, os seus próprios gestos já não são seus, mas de um outro que lhos apresenta.

Imaginemos que neste tipo de contexto aparecem pessoas que pintam seu rosto, colocam o nariz vermelho e se vestem de uma maneira que expõe seu próprio ridículo a fim de realizar trocas humanas, fomentar emoções, gerar conexões transgressoras para o território. Ser palhaço é um caminho de auto-conhecimento, de auto-cura, de conectar aos próprios desejos reais. Poderíamos dizer que essa busca do ser palhaço é altamente anti-espetacular, porque ela fortalece o ser reduzindo o ter a uma piada reflexiva, ou no caso do artista de rua, a um fluxo energético que passa pelo chapéu e sustenta a empreitada da busca pelo ser.
Hoje o MAR de palhaços se configura por pessoas que um dia se apaixonaram  por essa arte e se empenharam a levá-la para rua. A graça, a cura, o riso, as lágrimas, a auto-exposição, a denúncia verdadeira de quem somos através da dilatação dos nossos próprios erros. Costumo sempre dizer que 4 paredes são limites muito estreitos para um palhaço e que o lugar dele mesmo é na rua.

Mas não pense que tem sido fácil. Somos desbravadores desta selva de pedras, porque o modelo de ideias cristalizadas comentado por Guy Debord procura não permitir que sejamos livres. Enfrentamos preconceitos e uma cultura mediatizada por imagens espetacularizadas. Até dentro do próprio meio artístico convencional aparece aqueles que menosprezam a ideia da arte de rua e consideram-na como algo menor. A função do Rua das Artes Encontro de Circo, tem sido a de destruir essa relação espetacularizada com a arte abrindo canais de acesso onde os fazeres artísticos são processos formativos. A educação e arte juntos destruindo bases que fundam a sociedade do espetáculo.

A passividade que a sociedade do espetáculo constrói está na base da reprodução social de nossa existência, como uma doença que começou escondida na raiz e atinge um fruto de uma árvore. Mas que raiz é essa que estamos falando? Onde está o poder de reprodução social da cultura da sociedade do espetáculo como produção inconsciente da consciência espetacular dos nossos dias? Estou falando da educação. O modelo educacional conectado a essa sociedade do espetáculo está relacionado ao modelo de escolarização a que todos somos submetidos desde crianças, quando nossas vontades são ainda frágeis e nossa consciência é dobrável aos ditames do mundo adulto. Esta escolarização crescente nos faz desconectar da nossa potência de vida tornando nossa vida e nosso acesso ao conhecimento algo passivo e destituído de atitude política.

Para finalizar deixo a citação de uma grande amiga, Ana Thomaz (http://www.anathomaz.blogspot.com.br/), que um dia resolveu seguir pelos caminhos da desescolarização e vem sendo fonte de inspiração para a Cia. Pé na Terra e essa idéia que nos faz trilhar pelo MAR de Palhaços de que o simples fato de termos escolhido viver da arte, é uma ato político:

A quem estamos remetendo a responsabilidade dos nossos modos de vida?

De onde veio a ideia que a realidade está pronta e que precisamos aprender a fazer parte dela??

Onde aprendemos a sentir tanto medo do aqui e agora??? Eu acredito ter aprendido tudo isso e muito mais (competitividade, comparação, julgamento, especulação, ser carreirista, a desconexão corpo/mente...) na escola, e se não foi na escola, certamente foi la que por muito tempo pratiquei esse modo de vida. 

para mim o problema central da escolarização é que além de praticar todos esses conceitos que citei acima, os alunos estão a serviço das aulas, da programação pedagógica, do conhecimento, dos conceitos; fazendo com que os alunos se afastem cada vez mais de si mesmos e seus desejos, a ponto de ser necessário fazer um teste vocacional para saber em que área vai render melhor, a serviço de um sistema que precisa continuar a ser alimentado para existir. 



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