MAR DE PALHAÇOS: UM POUCO DE HISTÓRIA
O
MAR de Palhaços surgiu como um movimento tanto de formação e fomento a palhaços
de rua, quanto de fortalecimento e recriação de pontos permanentes de encontro
entre artistas e público. As práticas sempre se pautaram em princípios da educação
libertadora (Paulo Freire). Antes de ler e escrever, o método Paulo Freire
explicita a importância de aprender a ler o mundo. E nosso intuito é fincar
nossa consciência através da libertação do olhar de um palhaço.(vide artigo
anterior em http://www.mardepalhacos.blogspot.com.br/2012/07/olhar-de-palhaco.html)
Nossa
preocupação com a sustentabilidade do artista DE rua está relacionada com a perpetuação desta arte NA rua. Que tipo de transformação isso pode causar na
sociedade? Como essa ação constante e cotidiana pode gerar modificações no uso do
território? Venho relembrar a história de formação da MAR de Palhaços que pode
ser constantemente revisada nos arquivos deste nosso blog. O Movimento em si
surgiu pela união inicial de ideias e práticas compactuadas por duas
companhias: A Cia Pé na Terra e a Cia Obcena de Artes. O primeiro ponto do MAR
de Palhaços, onde tudo começou, foi o Parque de Pituaçu e os princípios do
movimento já eram praticados desde 2009, quando nós da Cia Pé na Terra
iniciamos nosso trabalho de ocupação do parque e criação de uma cultura local
de apresentações de rua. Nas palavras de nosso irmão Sabiá
No domingo dia 09 de maio de
2010, Caxambó, que ocupa já há bastante tempo o parque de Pituaçu, convidou
diversos palhaços para participarem da sua roda, às 10h.
O intuito foi o de aproximar
os palhaços primeiramente, alguns mais iniciantes com outros com um pouco mais
de prática e experiência [...]
Isso
não quer dizer que nós somos os Pré-Deuses que criaram a história dos
dinossauros não (auhauhauah). Trago essa história para pensarmos onde nossas
ações de generosidade podem nos levar e denuncio (como palhaço que sou) que mais
do que exercer a generosidade do palhaço, uma prática espiritual que tentamos
levar para o cotidiano de nossas relações sociais, pensávamos em nós mesmos, nessa
nossa liberdade de viver da nossa arte, de fortalecer esse movimento impulsionado
pelo chapéu, que cresce na medida em que outros façam isso também.
Ora,
a Cia Pé na Terra comemora 5 anos de existência agora em agosto, sendo desses,
são 4 anos de ação no Parque de Pituaçu e 2 anos de MAR de Palhaços, quando
passamos a sistematizar esse princípios dentro de um movimento maior , em
parceria com outra cia, a Obcena de
Artes, e abrindo rodas em um sentido
duplo 1)roda de público, aquela que já fazíamos e 2)abrindo nossas rodas para
que outros palhaços aproximassem-se para a partir de uma prática em conjunto
criando um sistema de aprendizagem e profissionalização. Nas palavras de Sabiá de novo, em maio de 2010:
Em Pituaçu já existe uma cultura de roda de palhaço aos
domingo, esta foi construida ao longo de alguns anos de insistência pela Cia Pé
na Terra (Caxambó e Didi Siriguela), mais especificamente falando em se
tratando desta roda no Parque de Pituaçu.
hj, em salvador temos rodas em Pituaçu (
Pé na Terra, domingo de manhã), praça do Campo do Campo Grande e Praça Ana
Lúcia Magalhaes/Pituba (Nariz de Cogumelo, domingo a tarde e sábado a tarde),
em Estela Mares(Malabres Màgicos, não sei o dia certo).
Salvador tem muito mais bairros, ainda ocupamos pouco, ainda levamos pouco a nossa cultura, educamos pouco a nossa
sociedade com a arte de rua. em qualquer periferia, as pessoas gastam seu dinheiro em festas e bebidas, o que caracteriza
que não se trata do dinheiro estar só na mão dos que moram nos bairros nobres,
porém, nestes locais, por motivo de acesso a cultura, as pessoas estão mais
habituadas a pagarem pela graça recebida através da arte.
Queremos abrir rodas onde quer que seja,
do bairro nobre à periferia, cada qual em sua realidade e cultura.
RUA DAS ARTES: DESESCOLARIZAÇÃO VERSUS SOCIEDADE DO ESPETÁCULO
O Rua das
Artes Encontro de Circo tem sido esse lugar de desconstrução da sociedade do
espetáculo, onde nós que estamos realizando arte de rua na cidade nos
encontramos para fortalecer nossas práticas, aproximar nossos corações através
de uma função coletiva de arte, com trocas, capacitações e aproximação de novos
parceiros interessados em seguir cumprindo esse nosso imporatnte papel. Esse é
o nosso reduto, onde compartilhamos nossas dores, prazeres, sabores e dissabores.
Segundo Guy
Debord, no livro A sociedade do espetáculo
vivemos numa realidade, resultado e projeto do modo de produção existente, cujas
relações sociais são mediatizadas por imagens que geram uma visão cristalizada
do mundo, o foco do olhar iludido e da falsa consciência, além de uma ampliação
da distância interior na medida em que suprime a distância geográfica. Nas
palavras dele a unificação que a Sociedade do Espetáculo realiza não é outra
coisa senão “a linguagem oficial da separação generalizada” ou uma “separação
espetacular”.
Assim fica
fácil enxergarmos por que é muito comum vivermos num modelo social de “afirmação
da aparência e a afirmação de toda a vida humana, socialmente falando, como
simples aparência” ou seja, o modelo de dominação da economia sobre a vida
social prioriza o ter e o parecer em detrimento do ser, que gera uma comunicação de mão única produzindo
“verdades universais”, inquestionáveis que deve ser aceitas passivamente:
A
alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o resultado da
sua própria atividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais ele
contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes
da necessidade, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio
desejo. A exterioridade do espetáculo em relação ao homem que age aparece
nisto, os seus próprios gestos já não são seus, mas de um outro que lhos
apresenta.
Imaginemos
que neste tipo de contexto aparecem pessoas que pintam seu rosto, colocam o
nariz vermelho e se vestem de uma maneira que expõe seu próprio ridículo a fim
de realizar trocas humanas, fomentar emoções, gerar conexões transgressoras
para o território. Ser palhaço é um caminho de auto-conhecimento, de auto-cura,
de conectar aos próprios desejos reais. Poderíamos dizer que essa busca do ser palhaço é altamente anti-espetacular,
porque ela fortalece o ser reduzindo
o ter a uma piada reflexiva, ou no caso
do artista de rua, a um fluxo energético que passa pelo chapéu e sustenta a
empreitada da busca pelo ser.
Hoje
o MAR de palhaços se configura por pessoas que um dia se apaixonaram por essa arte e se empenharam a levá-la para
rua. A graça, a cura, o riso, as lágrimas, a auto-exposição, a denúncia
verdadeira de quem somos através da dilatação dos nossos próprios erros. Costumo
sempre dizer que 4 paredes são limites muito estreitos para um palhaço e que o
lugar dele mesmo é na rua.
Mas
não pense que tem sido fácil. Somos desbravadores desta selva de pedras, porque
o modelo de ideias cristalizadas comentado por Guy Debord procura não permitir
que sejamos livres. Enfrentamos preconceitos e uma cultura mediatizada por
imagens espetacularizadas. Até dentro do próprio meio artístico convencional
aparece aqueles que menosprezam a ideia da arte de rua e consideram-na como
algo menor. A função do Rua das Artes Encontro de Circo, tem sido a de destruir
essa relação espetacularizada com a arte abrindo canais de acesso onde os
fazeres artísticos são processos formativos. A educação e arte juntos
destruindo bases que fundam a sociedade do espetáculo.
A
passividade que a sociedade do espetáculo constrói está na base da reprodução
social de nossa existência, como uma doença que começou escondida na raiz e
atinge um fruto de uma árvore. Mas que raiz é essa que estamos falando? Onde
está o poder de reprodução social da cultura da sociedade do espetáculo como
produção inconsciente da consciência espetacular dos nossos dias? Estou falando
da educação. O modelo educacional conectado a essa sociedade do espetáculo está
relacionado ao modelo de escolarização a que todos somos submetidos desde
crianças, quando nossas vontades são ainda frágeis e nossa consciência é
dobrável aos ditames do mundo adulto. Esta escolarização crescente nos faz
desconectar da nossa potência de vida tornando nossa vida e nosso acesso ao
conhecimento algo passivo e destituído de atitude política.
Para finalizar deixo a citação de uma grande amiga, Ana
Thomaz (http://www.anathomaz.blogspot.com.br/), que um dia resolveu seguir pelos caminhos da desescolarização e vem
sendo fonte de inspiração para a Cia. Pé na Terra e essa idéia que nos faz trilhar pelo MAR de Palhaços de que o simples fato de termos escolhido viver da arte, é uma ato político:
A quem estamos
remetendo a responsabilidade dos nossos modos de vida?
De onde veio a
ideia que a realidade está pronta e que precisamos aprender a fazer parte dela??
Onde aprendemos a
sentir tanto medo do aqui e agora??? Eu acredito ter aprendido tudo isso
e muito mais (competitividade, comparação, julgamento, especulação, ser
carreirista, a desconexão corpo/mente...) na escola, e se não foi na escola,
certamente foi la que por muito tempo pratiquei esse modo de vida.
para mim o problema
central da escolarização é que além de praticar todos esses conceitos que citei
acima, os alunos estão a serviço das aulas, da programação pedagógica, do
conhecimento, dos conceitos; fazendo com que os alunos se afastem cada vez mais
de si mesmos e seus desejos, a ponto de ser necessário fazer um teste
vocacional para saber em que área vai render melhor, a serviço de um sistema
que precisa continuar a ser alimentado para existir.